Estou no voo São Paulo – João Pessoa, hora do almoço. O comissário de bordo anuncia que a companhia vai começar o serviço de bordo. Provavelmente para evitar ataques verbais a quem passa servindo, ele adverte em tom publicitário: “Teremos um sanduíche quente de requeijão cremoso, queijo minas e peito de peru” (sacou a entonação do ‘cremoso’?).
Recebo um pãozinho amassado, em uma embalagem muito elaborada, que deve ter custado mais caro do que o produto (como costumam ser as embalagens feitas para disfarçar conteúdos deficitários).
Alguém teve a brilhante ideia de “gourmetizar” o sanduíche despejando umas sementes de erva-doce na massa do pão. Mas ninguém foi capaz de tirar a casca da única fatia, bem grossa, de peito de peru.
Capricho é uma coisa que custa caro. Custa caro porque exige tempo e tempo custa mais caro que dzáin de embalagem e impressão em 4 cores. Penso em quanto a agência de dzáin cobrou da empresa de catering, que repassou para a companhia aérea, que repassou para o consumidor e chego à conclusão de que esse sanduichinho merreca deve ter custado o preço do PF do D.O.M.
Uma vez o crítico gastronômico Silvio Lancellotti foi convidado pelos meus veteranos do Jornal do Campus, nosso jornal laboratório da faculdade, para avaliar a qualidade do bandejão do Crusp. A comida era sortida e até farta, mas de uma sengracice só. Custava o preço do ônibus, quando o ônibus custava barato, então todo mundo fazia vistas grossas.
A conclusão de Lancellotti foi a mesma que eu tive hoje no avião: faltava capricho.
Os ingredientes eram de ótima qualidade, as necessidades nutricionais estavam todas atendidas, mas o processo era falho. Tinha dias que o arroz empapava, em outros ficava mais duro que arbóreo. A banana de sobremesa sempre estava verde: só pegava quem morava no Crusp, que guardava até ficar comível.
Cozinhar exige capricho. É um processo que demanda organização interna. Mesmo que você não pique tudo e coloque em potinhos como em programa de TV, é preciso ter noção da ordem das coisas, das quantidades, do tempo de cozimento de cada ingrediente.
E tem certos tempos que não podem ser abreviados. Existem técnicas para cortar caminho, e numa cozinha industrial é óbvio que a carne vai ser feita na panela de pressão e não na minha panela de pedra-sabão, durante horas e horas…
Mas criar um processo eficiente, que permita que as coisas fiquem prontas no tempo e com capricho é uma grande arte. Todo mundo só fala de saber combinar os ingredientes, mas isso que parece básico é o que falta nessas comidas preparadas em grande quantidade.
(Acabei de transcrever o que tinha anotado durante o voo, e de repente me deu uma sensação de óbvio ululante. Claro, capricho não é compatível com lucros exorbitantes nem com verba pública, sua tonta… Dã)